quarta-feira, 30 de maio de 2012


Se amor for colorido, eu digo que jamais amei. Meus olhos brilham por cores sóbrias. Azul da monotonia, amarelo do vazio maquiado, vermelho da luxúria e o verde queimado da desistência de se ter esperança. Jamais fiz com as cores um arco-íris; encobri todas com uma tempestade cinza eterna e melancólica. Se amor for limpo, cândido e divino, eu digo que jamais amei. Ainda vejo teus olhos de poeira decorando minha alma com pedaços de podridão, ainda sinto o meu corpo desmanchando-se em chagas grotescas quando eu penso que permiti que teus lábios encostassem nos meus. As lágrimas já não eram suficientes para lavar o sangue que jorrava da minha mente insana e do meu corpo vadio. Se amor for belo, a tristeza condecorou-me com máscaras de monstros. Ou quem sabe, um simples espelho. Se amor for poesia, eu digo que sempre te amei. Em cada estrofe estrangulada pelas entrelinhas, em cada rima mal estruturada ou folha amassada embaixo da cabeceira da cama. Mas se amor for silêncio, eu digo que todos os meus versos foram recitados no desespero de um olhar. Te amo sem ilusão, te amo sem fantasia. Com lágrimas, gritos, desespero, algemas, dor, rancor, ódio e falecimento. Falecimento e renúncia de mim mesmo para viver em teu corpo. Enterro de flores sangrentas e malcheirosas. Amo como amam os demônios, os maltrapilhos, os farrapos e cegos do mundo. Talvez eu não me ilumine com teu sorriso ou talvez eu prefira a tua ausência calada no canto do meu quarto. Mas quando meu corpo ceder ao teu canto e minha alma partir para os penhascos distantes, quando o meu sol mergulhar no lago podre dos sorrisos furtados, eu quero que me ame. Eu quero que me ame como passei a vida inteira a te amar. Quero que me ame com vermes e terra vermelha jogadas em cima do pedaço de madeira que terei por paraíso ou purgatório. Quero que roube todas as minhas cores, quero que rasgue o meu peito e perfure o coração desprezível que amargurou toda a minha rancorosa felicidade, mas quero que me ame. E se amor for desistir, sucumbir, apodrecer… Eu digo que te amarei pra sempre. 

 Cinzentos