domingo, 22 de setembro de 2013


Sabe algo que permanece mesmo quando uma relação termina? Manias. Muitos poderiam ter pensado em saudade ou lembranças. Mas não, é manias. Eu percebi isso com o meu primeiro amor. Uma garota de cabelos negros ondulados, boca bem desenhada e baixinha. Nos conhecemos na sala de aula. Notei que ela fazia um laço na letra “E” quando copiava a lição, e eu achava aquilo bonitinho. Comecei a treinar para fazer igual. E consegui. Notei, também, que ela gostava de cartinhas. Então comecei a mandar as minhas. Aprendi a colocar o que sinto em palavras. E a amar em silêncio. Até que um dia ela foi embora. Eu fiquei triste, mas continuei com a mania de fazer um laço na letra “E” e a escrever cartas, mesmo que elas nunca tenham sido enviadas. Um tempo depois, eu conheci uma outra garota metida a “sabe tudo”. E sabe o que era pior? Ela sabia mesmo. Ela era tão inteligente que não teve nenhuma dificuldade em me dominar. Pois é, eu, um problemático decidido a deixar esse negócio de relacionamentos pra lá, juntar dinheiro, comprar um Chevette 1.0 e cair na estrada sem rumo algum. Estava lá, contando moedinhas e pensando se ela gostaria de receber um buquê de rosas ou tulipas. Ela estudava todas as tardes na biblioteca, então eu comecei a ir estudar também. Li mais livros do que achei que seria possível. Ela gostava de ler romances nas horas vagas. E adivinha? Eu comecei a ler também. Exatamente os mesmos livros. Aí ela me perguntava se eu gostei do desfecho da história, eu dizia que achei incrível, mas na verdade não tinha entendido nada. Mas ela ficava feliz e tinha um sorriso lindo. Foi então que ela passou em um vestibular de uma faculdade de alto nível e teve que se mudar para um lugar próximo ao inferno. Se duvidar, o inferno é mais perto. Mas sem problemas, porque umas noites de choro no escuro do meu quarto não afeta ninguém e uma hora termina. Mas deixa manchas no travesseiro pra sempre. Só que eu continuei com a mania de ler e estudar cada vez mais. Fiz coleção de romances e deixei de sair muitas vezes para estudar. Ela foi embora, porém eu passei no vestibular de uma das melhores faculdades da cidade. E foi na faculdade que eu conheci uma branquinha de cabelos longos e lisos, com um corpo tão escultural que parava carros, aviões e navios. Mas que tinha também, um jeito fácil de me fazer se sentir especial e único. Ela costumava ir na academia todos os dias. Segunda a Domingo. Aí eu comecei a ir também. Às vezes era apenas para ficar um pouco mais perto dela, mas acabei me acostumando com a ideia. Um dia a gente teve uma briga muito feia. Ela disse “Blá Blá”. Eu entendi “Mi Mi”. Enfim, cada um por si. Mas eu continuei com a mania de ir para a academia, cada vez mais. O magrelo ficou forte. Tomei grandes doses de auto-estima e viciei. Então eu disse: Chega. Acabou. Não quero mais isso de casar, filhos, família e todas essas coisas de filmes e livros. A partir de agora sou eu, com um pouco de eu, e mais eu. E sabe, era pra ter dado certo. Droga, era pra ter sido só eu. Só que, me apareceu “Ela”. Foi no começo da primavera. Não me lembro muito bem o dia, nem a hora. Mas me lembro de nunca, em toda a minha vida, ter me impressionado tanto com um sorriso que, em conjunto de uma gargalhada gostosa, fazia todo o meu corpo estremecer. Eu sabia que não devia me aproximar. Afinal, eu já tinha decidido a minha vida. O rumo. A ordem. A escolha. Era bem simples, eu podia dizer que tinha um jantar em família e estava atrasado, não perguntar o telefone e nunca mais aparecer por lá. Eu realmente tinha um jantar para ir. Então, estufei o peito de ar, e disse, naquele momento, o momento: “Você não gostaria de me acompanhar no jantar?”. Depois de perceber a besteira que eu tinha feito, fiquei torcendo “Não aceita, não aceita, não aceita”. E ela aceitou. A minha razão e orgulho estavam partidos, mas o meu coração estava mais completo e inteiro do que jamais pensei um dia estar. Não sei dizer quantas vezes pensei na besteira que eu tinha feito. E sabe de uma coisa? Foi a besteira mais certa que já fiz. Escrevo isso e levanto a cabeça vagamente para olhar no sofá, e ela, essa mesma garota daquele começo de primavera, está lá, sentada, conversando com a minha mãe sobre novelas e roupas. As duas mulheres da minha vida conversando sobre duas coisas que não entendo. Ela ama as cartas que eu escrevo e deixo do lado da cama dela, gosta do laço que eu faço na letra “E”, acha bonitinho os romances que leio e adora o meu físico. Se ela vai deixar manias em mim? Ainda é incerto. Posso dizer que eu não queria esse negócio de casar e compartilhar as minhas coisas com outra pessoa. O tipico egoísta. Mas faz mais ou menos uma semana que eu a pedi em casamento. Eu não queria isso de ter filhos, ser pai e toda essa carga de responsabilidades. Mas faz uns três meses que ela me disse estar grávida de um filho meu. Hoje, no quinto mês de gestação, eu possuo o sorriso mais sincero e verdadeiro do mundo, uma futura esposa que adora o som da minha voz e a mania de calcular jeitos de comprar uma casa maior. E ah, antes que eu me esqueça, ontem a minha noiva me ligou e disse, em meio a berros e gritos: “Meu amor, é uma menina!”.

— Allax Garcia.