domingo, 6 de outubro de 2013


Em caso de permanência, por favor, evitar os gritos. É fácil perceber que minhas costelas estão desviadas. E mortas. Eu arranquei metade da minha ideologia em nome da solidão. Agora eu me encaixo em qualquer tipo de incoerência e isso é um dom. É um privilégio estético num mundo onde a alma aparenta mais do que a própria aparência. Aparenta uma sincera monstruosidade, é isso o que venho perdendo no caminho. Meus olhos são duas gravatas frouxas pra evitar o risco de enforcamento. A acomodação é o que me mantém vivo, sem você, em você. Eu te vi de longe, eu te enxerguei, eu te tirei do lixo que é a invisibilidade no fim dos tempos. E hoje eu bebo as minhas lágrimas usando garfo, faca e etiqueta. E todos os dias você me presenteia com essa montanhas de iniciações. Arrancou os brotos e deixou a raiz, você sabe. No meio do caminho, estava eu. Tinha um abandono no meio do caminho. E quando você me deixou, eu passei a me apaixonar pelas costas de todas as pessoas que têm medo de ficar. Acostumei a ver seres humanos incompletos, com metade da vida apagada, sem gosto, sem tato. E se olho o espelho, enxergo um universo paralelo nos meus olhos. São os únicos olhos que não me repelem, burlando as leis da física duplamente: olhos iguais implicam em tristezas semelhantes. Eu temo algo que nunca enfrentei, é normal. Os passos errados, a falta de oxigênio, a agorafobia. Medo de não obter socorro no meio da multidão. E da solidão, qual é o nome que se dá? Medo da vida. O medo é permitido, mas a fuga… A fuga, nem tanto. Eu estou encostado pelas paredes pedindo abrigo no concreto, pedindo ao meu corpo pra que ele não desista antes da minha derrota. Mas estou condenado como um metal de sacrifício. Peço clemência exatamente pro que não existe, porque é mais fácil. É mais fácil não sair correndo do lugar onde sempre estive, porque dedos estão apontados pra mim em todas as direções. Eu queria correr e pedir socorro aos soldados que vestem capuzes, porque eles me parecem simpáticos. São os únicos que mantém contato direto com a minha fraqueza. Eles são mais realizados, talvez, do que eu, que arranquei dezenas de outras cabeças sem usar proteção. Morri de outras mortes. Sem correr, o que é pior. Sem chorar, espernear, enegrecer, apodrecer. Aprendi com a vida que costas são bonitas porque são amplas. É um alvo fácil pra uma arma de fogo. Minha arma arde mais do que o remorso, e você sabe. A culpa escorreu pra dentro das minhas entranhas. E já não sou mais o mesmo. Já manchei a minha alma e a minha reputação, já não tenho mais nada que valha a pena. Eu queria correr. E não corro. A última saída seria a sua volta. E meu último pedido é para que fechem as cortinas do espetáculo, que apertem a gravata, sentem e calem a boca. Fechem minhas pálpebras. E me coloquem novamente no meio de um caminho sem volta. Do seu caminho.