“Me faltava inspiração pra escrever, me faltava sono pra dormir, me faltava fome pra comer, me faltava vontade pra fazer qualquer coisa. Eu nunca fui completo ou pleno na minha vida, a propósito, eu nunca fui completo ou pleno em nada, absolutamente nada, sempre me faltava alguma coisa, nem ao menos que fosse o açúcar para adoçar o café. Me faltava vontade de abrir os olhos, levantar da cama e sair de casa, e se eu pudesse, eu lhe juro que passaria o resto dos meus dias ali, naquela cama velha com lençóis sujos e fronhas amassadas. Eu sempre fui oco, meu quarto refletia melhor do que qualquer outra coisa o que eu era por dentro: uma coisa oca com algumas outras coisas quebradas, encangalhadas ou sujas espalhadas pelos cantos, um silêncio apavorante e um ar de “ninguém-cuida-desse-lugar-há-um-bom-tempo”. Eu não sentia mais nada, nadinha, eu passava os meus dias como todas as outras almas miseráveis do planeta: apenas sobrevivendo. Porque viver de fato, viver no duro e forte da palavra, meu amigo, não é isso, é qualquer outra coisa, menos isso. Aquilo no que eu me encontrava naquele momento, eram as ruínas, ou melhor dizendo, era fim. Aquilo era a destruição, o opaco, a falta de vida nas coisas, nas plantas, nas almas, nas cores - porque de certa forma, tudo era cinza -, nas pessoas, aquilo era a falta de vida na vida. Eu vivia em meio a algo distante. Eu não sentia tristeza, aliás, eu não sentia mais nada, porque sentir qualquer sentimento já seria sentir, e eu me negava a sentir qualquer coisa, por melhor ou pior que ela fosse. Eu me negava a sentir dor, tristeza, pena, amor, felicidade ou qualquer outra denominação que eles davam há coisas que duravam umas 4 horas e depois passam, como tudo na vida. Eu apenas me negava à sentir. Eu levava o “nada” a sério de mais, aliás, levava tão a sério, que o nada passou a ser eu.”
Chamuscar